Prazo de desocupação na ação renovatória após a lei 12.112
04/02/14

4. Do termo inicial do prazo de desocupação à luz da segurança jurídica e do devido processo legal e da sistemática processual

 A ação renovatória visa proteger talvez o maior patrimônio de toda e qualquer empresa, ou seja, o seu fundo de comércio.
           Diniz (2009, p. 343) ensina em sua obra: “A renovação visa a proteção do titular do fundo de comércio, dando-lhe estabilidade, levando em consideração a clientela formada com sua atividade empresarial.”
            A anterior redação do artigo 74 previa: “Art. 74 Não sendo renovada a locação, o juiz fixará o prazo de até seis meses após o trânsito em julgada da sentença para desocupação, se houver pedido na contestação.”
            O trânsito em julgado da sentença improcedente era requisito para se determinar a desocupação do imóvel e isso desde que houvesse pedido na contestação, caso contrário somente através de ação autônoma.
             Ao tempo, sobre o tema, ensinava o ilustre Santos (2004, p 626-627):

Com esse dispositivo cessa interminável discussão sobre o prazo de desocupação, no caso de carência da ação e no caso de improcedência do pedido.
A lei teve mais esse mérito porque, não sendo renovado o contrato, por qualquer motivo, a própria sentença estabelecerá o prazo de até 6 meses para o inquilino deixar o prédio, pena de ser despejado compulsoriamente mediante mandado de evacuando.
A fixação desse prazo (até seis meses) fica, todavia, ao prudente critério do Juiz que, não tendo razão especial para marcar prazo menor, haverá sempre de determinar que seja o de seis meses, a fim de possibilitar a desocupação do bem locado, com a mudança do comércio ou indústria que nele era exercitado, o que de modo geral, exige tempo razoável.
Para ser ordenada a desocupação, todavia, é necessário que, ao contestar, o locador tenha formulado pedido nesse sentido. Do contrário, não renovado o contrato, a locação passa a vigorar por tempo indeterminado, sem ajuste escrito, até que: a) denunciada pelo locador, seja rescindida b) o locatário deixe o imóvel, entregando as chaves ao senhorio; c) haja o despejo por um dos motivos previstos na lei (como infração legal ou contratual, falta de pagamento).
Apesar disso, existe contradição, ao menos aparente, entre a regra ora examinada, que prevê seja o prazo de desocupação contado a partir do trânsito em julgado, e a norma do inciso V do art.58, ao dizer que os recursos interpostos contra as sentenças terão efeito somente devolutivo.
Se a sentença julgar improcedente o pedido de renovação ou conclui que dele é o autor carecedor, o Juiz concederá ao locatário o prazo de até seis meses, tanto que o réu-locador tenha formulado pedido a respeito. Havendo apelação, se esta não é recebida no efeito suspensivo, em principio poderia haver notificação para que o inquilino- autor deixasse o imóvel. O que se há de entender do dispositivo ora comentado é que, contendo regra especial, prevalece sobre aquela geral que aponta existir apenas o efeito devolutivo nos recursos contra as sentenças de despejo, consignação em pagamento revisional e, também, na renovatória (art.58). Nesta última ação, o recurso terá efeito somente devolutivo no caso de renovação do contrato, no que respeita, digamos, à exigência das diferenças de aluguel.
Assim, o fato de apelação ser recebida apenas no efeito meramente devolutivo, contra a sentença que desacolhe a renovatória, não permite sua execução provisória, em que pese a sistemática do estatuto processual. E não permite porque, especificamente, quanto ao prazo de desocupação do prédio, há regra especial fixando o seu termo inicial por ocasião do trânsito em julgado da decisão. Nesse caso, portanto, a apelação tem efeito suspensivo, sem a menor sombra de dúvida.  

A aula acima não merecia complemento, até por respeito, tamanha a profundidade do conhecimento exposto, porém, ousamos incluir em igual sentido o ensinamento de Salles (2004, p. 344):

Diante do exposto, julgada improcedente uma ação renovatória e interposta a competente apelação pelo autor, se fosse aplicável a norma constante do inciso V do art. 58 da Lei do Inquilinato, a conseqüência seria a do recebimento da aludida apelação no efeito devolutivo, de forma que caberia execução provisória da sentença. Não se perca de vista, entretanto, que a norma geral do inciso V do art.58 fica arredada, no caso pelo disposto no art.74 da Lei 8.245/91, segundo o qual “não sendo renovada a locação o Juiz fixará o prazo de até seis meses após o trânsito em julgado da sentença para desocupação, se houver pedido na contestação”.
Ora, denomina-se coisa julgada material a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário (art.467 do CPC). Destarte, o trânsito em julgado da sentença pressupõe sentença irrecorrível, de modo que, tratando-se desta última, a execução há de ser definitiva, não podendo ser provisória (art.587 do Estatuto Processual).
Logo, a conclusão a que se chega é que a execução- para que se opere a desocupação no prazo de até seis meses a que alude o art.74 da Lei 8.245/91 – há de ser definitiva, porque aquela norma legal exige que o decurso do referido prazo só tenha inicio após o trânsito em julgado da sentença.

Indubitável que, sob a ótica anterior, a execução para desocupação somente poderia ocorrer após o trânsito em julgado da sentença, o que inviabilizava qualquer discussão diversa. Contudo, o dispositivo foi alterado e a expressão trânsito em julgado suprimida da norma de caráter processual.
           Após a alteração legislativa há quem sustente a possibilidade de execução provisória da sentença por via da determinação de desocupação, após a sentença que nega a renovação da locação.
           A nova redação do artigo 74 menciona que “não sendo renovada a locação, o Juiz determinará a expedição de mandado de despejo, que conterá o prazo de 30 (trinta) dias para a desocupação voluntária”, assim sendo, surge a dúvida: quando poderá ser considerada não renovada a locação para fins de se determinar a desocupação?
          
A questão deve ser vista à luz da Constituição Federal (1988) e principalmente seus princípios fundamentais, além dos aspectos processuais correlatos.
           O artigo 5º, incisos LV da Constituição Federal (1988) prevê: “LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
          A redação da norma constitucional insere os recursos como parte integrante e pertinente do devido processo legal, assegurado a todos os litigantes.
           É certo que a ação renovatória visa a proteção do fundo de comércio e a desocupação trará efeitos irreversíveis sobre a clientela e, portanto, os rumos do negócio como um todo.
           Desta feita, permitir a execução provisória com a desocupação imediata significaria esvaziar o recurso de apelação, visto que, ainda que pudesse resolver a questão através de perdas e danos, os efeitos sobre a atividade empresarial já estariam presentes e seriam irreversíveis.
          Ao esvaziar a apelação, por total ausência de objeto, o direito constitucional ao devido processo legal deixaria de ser observado.

           Cerveira (2010)
expõe:

Como amplamente divulgado, em janeiro deste ano, entrou em vigor as alterações procedidas na Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/91), por força da Lei 12.112/2009.Com efeito, dentre outras modificações (muitas louváveis, como por exemplo, a maior celeridade nas ações despejo), foi alterado o caput do artigo 74, que trata da retomada da posse pelo locador em sede de ação renovatória de contrato de locação. Esta ação visa a renovação compulsória do contrato de locação e somente pode ser ajuizada pelos locatários de imóveis não residenciais, desde que preenchidos os requisitos legais. Anteriormente, o artigo 74 continha a seguinte redação: "Não sendo renovada a locação, o juiz fixará o prazo de até seis meses após o trânsito em julgado da sentença para desocupação, se houver pedido na contestação". A redação atual é a seguinte: "Não sendo renovada a locação, o juiz determinará a expedição de mandado de despejo, que conterá o prazo de trinta dias para a desocupação voluntária, se houver pedida na contestação". Conforme se verifica, continua necessário pedido expresso de despejo na contestação, bem como foi reduzido o prazo de "até seis meses" para "trinta dias". Considerando as dificuldades em encontrar novo ponto comercial, além de todas as circunstâncias que cercam o encerramento de uma operação em determinado local, torna-se, no mínimo, discutível se a redução do prazo foi benéfica a sociedade ou se somente observou os interesses dos locadores. Por outro lado, foi retirado do texto legal a previsão expressa de que a desocupação somente ocorreria "após o trânsito em julgado da sentença". Ou seja, anteriormente a lei era direta de que o despejo seria efetuado depois de esgotados todos os recursos de mérito. Agora, somente consta que "não sendo renovada a locação" será expedido mandado de despejo para desocupação em 30 dias. Não obstante não estar mais consignado expressamente na lei que o despejo somente ocorrerá após o trânsito em julgado da sentença, este deve ser o entendimento, em virtude da primeira parte do dispositivo legal prever expressamente que "Não sendo renovada a locação, o juiz...". Isto é, não parece que foi a intenção do legislador determinar que o despejo ocorra no prazo de 30 dias da sentença, lembrando que o recurso de apelação em sede de ação renovatória não tem efeito suspensivo. Ora, como a locação somente não estará, definitivamente, renovada, após o trânsito em julgado da sentença, deve ser no sentido acima defendido a interpretação do artigo 74 (despejo em 30 dias depois do trânsito em julgado), seja do ponto de vista literal como teleológico. Cabe salientar que, como é notório, muitas vezes, o ponto comercial (local) é fundamental para o sucesso da atividade empresarial do inquilino, o que, também, justifica a posição ora adotada. Ademais, eventual despejo, com recurso pendente de julgamento, poderá gerar danos irreparáveis ao locatário, vez que o prejuízo ao fundo de comércio já terá ocorrido (perda clientela etc.). Além do mais, mesmo se reformada a sentença de improcedência em sede de recurso, será discutível o cabimento da retomada na posse pelo inquilino, principalmente, quando já estiver estabelecido no local outro pessoa (física ou jurídica) terceira de boa-fé.

 Entendimento diverso significaria violar o princípio constitucional da segurança jurídica, porque a locação somente poderia ser considerada renovada compulsoriamente, quando não houvesse mais recurso a ser interposto em favor do locador, ou seja, cristalizada a coisa julgada imutável, logo, por isonomia igual tratamento deve ser conferido ao locatário que ingressa com ação buscando a renovação da locação. Assim sendo, ainda que exista sentença improcedente e o dispositivo do art. 74 da Lei Especial não possua mais regra expressa determinando o aguardo, a doutrina de vanguarda assim entende, visto que o inverso representaria violação à Carta Magna.
            Nesse diapasão, no aspecto infraconstitucional a redação original da lei 12.112/09 trazia consigo nova redação ao artigo 75 da Lei 8.245/91, impedindo que o locatário retornasse ao imóvel mesmo que ao final da demanda a ação fosse julgada procedente, ou seja, caso houvesse reforma da sentença o locatário somente poderia, através de ação própria, pleitear os danos sofridos. “Art. 75 Sendo executada provisoriamente a decisão ou sentença que conceder a retomada do imóvel, o locatário terá direito a reclamar, em ação própria, indenização por perdas e danos, caso a ação renovatória venha a ser julgada procedente ao final da demanda, vedado, em qualquer hipótese, o retorno do locatário ao imóvel.”
           O dispositivo acima foi vetado pelo senhor Presidente da República e as razões do veto demonstram que a possibilidade de execução provisória da sentença de improcedência da ação renovatória afronta tanto a Constituição Federal (1988) como o ordenamento jurídico, não sendo possível sua efetivação, sem que haja contrariedade às normas processuais atinentes.
             Na exposição de motivos do veto consta: “O texto proposto permite a execução provisória da decisão ou da sentença que ordena a desocupação em ação renovatória, impedindo a retomada da posse direta pelo locatário preterido, ainda que a decisão ou sentença seja reformada, ou seja, a desocupação empírica, por si só, transita em julgado em julgado independentemente do resultado do recurso que hostiliza a decisão correlata”. 
          
A justificativa do veto se encontra justamente na possibilidade de reforma da sentença ou decisão que julgou improcedente a ação renovatória, considerando, portanto, como um equívoco permitir a realização de execução provisória, pois neste caso a desocupação representaria o mesmo que o trânsito em julgado da decisão, independente da apreciação do recurso interposto.
           Indubitável, portanto, que se uma das razões que levaram o Presidente da República a vetar o dispositivo posterior é a impossibilidade de execução provisória da sentença de improcedência, principalmente porque ocasionaria o “trânsito em julgado” da sentença ou decisão independente do resultado do recurso interposto, não é possível crer que o melhor entendimento a se obter do artigo antecedente seja a possibilidade de se exigir a desocupação do imóvel em 30 dias a contar da sentença ou decisão que julgar improcedente a ação, principalmente quando for interposta apelação.
            A tese que ora se apresenta encontra amparo no entendimento do maior doutrinador sobre o tema, Santos (2010, p. 580-581), que assim explicita em sua nova obra:

Apesar disso, impõe-se considerar que, antes da recente alteração legislativa, o prazo de desocupação era contado a partir do trânsito em julgado por expressa disposição legal.
Atualmente, conquanto não haja semelhante previsão, fácil é concluir que há de ser igualmente a partir do trânsito em julgado da sentença, porque, apesar de a norma do inciso V do art.58 dizer que os recursos interpostos contra as sentenças terão efeito somente devolutivo, não cabe, na hipótese, execução provisória ou cumprimento provisório da sentença.
Se a sentença julga improcedente o pedido de renovação ou conclui que dele é o autor carecedor, o Juiz fixará ao locatário o prazo de 30 dias para a desocupação, tanto que o réu-locador tenha formulado pedido a respeito. Havendo apelação, se esta não é recebida no efeito suspensivo, em princípio poderia haver notificação para que o inquilino-autor deixasse o imóvel.
O que se há de entender do dispositivo ora comentado, porém, é que a expressão “não sendo renovada a locação” somente pode ser considerada com o “trânsito em julgado”. Antes disso, não. É a mesma situação que ocorre quando a lei, ora comentada, no art.73 se refere a “renovada a locação”.
Tanto quando estabelece “não sendo renovada a locação (art.74), como quando dispõe “renovada a locação” (art.73), somente se podem considerar tais hipóteses com o trânsito em julgado da sentença.

Afinal, a sentença que
não renova a locação é declaratória ou declaratória negativa.

Ambas essas sentenças, só produzem efeitos após o seu trânsito em julgado. De fato, sem este não se pode dizer que a locação foi renovada ou não.

 A verdadeira aula acima, em conjunto com o teor dos fundamentos do veto à nova lei de locação anteriormente apresentados e demais fundamentos expostos, permitem concluir que mesmo após a retirada da expressão trânsito em julgado a partir da nova redação do art.74 não impede seu aguardo, visto que, como adrede mencionado, não é possível a realização de execução provisória da sentença. Logo, muito embora não conste mais do dispositivo legal, parte da doutrina, amparada pelo mais respeitado doutrinador sobre a matéria, entende que o prazo de desocupação deve se iniciar após o trânsito em julgado da sentença ou decisão que declarar não renovada a locação.
            Noutra quadra, cumpre destacar que, ainda que o Juiz entenda ser possível a execução provisória e receba a apelação em seu recurso apenas devolutivo, a decisão desafia agravo de instrumento na forma dos artigos 162 e 522, ambos do Código de Processo Civil (1973) por ser decisão interlocutória. Logo, poderia o relator ao receber o recurso conceder efeito suspensivo sobre a decisão, na forma do inciso III do artigo 527 do Código de Processo Civil (1973):

Art. 527. Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído incontinenti, o relator:
III - poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso (art. 558), ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão;

 Em se tratando de comércio, cuja desocupação ocasionaria severos efeitos, a plausibilidade e necessidade de urgência estariam presentes para concessão de efeito suspensivo.
           Nesse sentido, destacam-se julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos quais se reconhece que em hipóteses excepcionais, embora haja previsão expressa de recebimento apenas no efeito devolutivo, a apelação poderá ser recebida no duplo efeito, evitando-se graves prejuízos à parte envolvida, ou seja, nesse caso imposto o efeito suspensivo à decisão, não haverá como se efetuar execução provisória ou mesmo discussão sobre o termo inicial do prazo de desocupação determinando em lei.
            Abaixo um dos julgados nesse sentido, recentemente proferidos pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

LOCAÇÃO – AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE LOCAÇÃO JULGADA PROCEDENTE – RECONVENÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE - RECURSO DE APELAÇÃO - efeito devolutivo - impossibilidade de recebimento no duplo efeito diante do art. 58, inciso V, da Lei n°8.245/91 - efeito suspensivo é dado apenas em casos excepcionais -ausentes os requisitos especiais: periculiin in mora e o fimnis bom iuris - RECURSO DA RÉ NÃO PROVIDO.
(TJ/SP - 27ª Câmara de Dto Privado - Agravo de Instrumento nº 0016976-05.2011.8.26.0000 - Des. Rel. Berenice Marcondes Cesar - D.J. 21/06/2011)


Autor:
Dr. Fernando Marba Martins
OAB/SP nº 240.811
Membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/SP subseção Santos

 

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