3. Do termo inicial do prazo de desocupação à luz da lei especial e o do princípio da celeridade processual
O artigo 58 da Lei 8.245/91
preleciona que todos os recursos interpostos contra as sentenças proferidas em
sede das ações previstas nessa lei terão apenas efeito devolutivo.
A esse respeito vale destacar a lição de Diniz (2009, p. 259):
Os recursos serão recebidos com efeito devolutivo, para evitar procrastinações de decisões finais, oriundas da demora ou do julgamento do recurso pelo tribunal superior, frustrando, p.ex., a expectativa do locador de instalar-se no prédio locado. Consagrada está a devolutividade dos recursos contra as sentenças pronunciadas. Os recursos produzirão efeito devolutivo, apenas devolverão à instância superior o conhecimento de uma causa já decidida. As sentenças terão seu curso norma independente da solução que o tribunal der às pendências.
Em relação ao tema, Santos (2004, p. 425-426) ensina:
Por fim,
todas as apelações das sentenças, nas diversas causas relacionadas à locação,
serão recebidas apenas no efeito devolutivo, de modo que, com isso, se
acrescentou mais uma série de ações no rol daquelas cujas apelações têm apenas
esse efeito (CPC incisos I a VI do art.520).
Registramos que, ao contrário do que acontece, por exemplo, na Itália, no
direito brasileiro as apelações, têm, em regra, efeito suspensivo, além do
devolutivo (art.520), e somente por exceção é que têm somente efeito devolutivo.
De tal sorte, a regra continua a mesma, embora tenha a atual lei do inquilinato
acrescentado que, em matéria de locação, as apelações terão só o efeito
devolutivo.
A conseqüência, já se sabe, é a possibilidade, a critério do vencedor,
promover-se a execução provisória da sentença, seja através de autos
suplementares (com cópia dos autos principais), seja através de carta de
sentença, extraída antes de o feito subir ao tribunal, ou quando nele estiver,
devendo aí ser obtida essa carta (CPC, art.589).
A linha de raciocínio acima é seguida por Salles (2004, p. 343):
Em
princípio, portanto, em decorrência do disposto no preceito legal transcrito, os
recursos interpostos contra as sentenças proferidas nas ações renovatórias terão
apenas efeito devolutivo. Trata-se, pois, de exceção aberta à norma geral
contida no art.520 do CPC, segundo o qual “a apelação será recebida em seu
efeito devolutivo e suspensivo”. Não obstante, a segunda parte desse art.520 já
estabelecera outras exceções, ao determinar:
“Será, no entanto, recebida, só no efeito devolutivo, quando interposta de
sentença que: I) homologar a divisão ou a demarcação; II) condenar à prestação
de alimentos; III) julgar a liquidação de sentença; IV) decidir processo
cautelar; V) julgar improcedentes os embargos opostos à execução”.
A conseqüência do recebimento da apelação no efeito simplesmente devolutivo é a
de que o apelado poderá promover, desde logo, a execução provisória da sentença,
extraindo a respectiva carta (art.521 do CPC) ou levando a efeito a referida
execução nos autos suplementares, onde os houver (art.589 do CPC).
Alias, o art.587 do Estatuto Processual determina que “a execução é definitiva,
quando fundada em sentença transitada em julgado ou em título extrajudicial; é
provisória, quando a sentença for impugnada mediante recurso, recebido só no
efeito devolutivo”.
Alguns julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo seguem essa linha de pensamento:
LOCAÇÃO
DE IMÓVEIS - RENOVATÓRIA - IMPROCEDÊNCIA - APELAÇÃO - EFEITO DEVOLUTIVO - ARTIGO
58, V, E 74 DA LEI ESPECIAL - REDAÇÃO DADA PELA LEI N.° 12.112/2009 – DECISÃO
REFORMADA - RECURSO PROVIDO.
A apelação
interposta contra sentença de improcedência em ação renovatória de locação
comporta ser recebida apenas no efeito devolutivo, em atenção ao disposto no
artigo 74 da Lei do Inquilinato, observadas as alterações dadas pela Lei n.°
12.112/2009, que suprimiu do texto original o termo trânsito em julgado
para impulsionar a desocupação do imóvel. Vale lembrar que tal modificação veio
a consolidar o que já previa o artigo 58, V, da mesma lei, ou seja, "os
recursos interpostos contra as sentenças terão efeito somente devolutivo"
nas ações de despejo, consignação de aluguel, revisionais e renovatórias de
locação.
(TJ/SP - 35ª Câmara de Dto Privado - Agravo de Instrumento nº
0053702-75.2011.8.26.0000 - Des. Rel. Clóvis Castelo - D.J. 20/06/2011)
O inciso
LXXVIII,
incluído no artigo 5º da Constituição Federal (1988) pela Emenda nº 45, trouxe
para âmbito constitucional a necessidade de tramitação célere dos processos.
A questão que surge é se a desocupação seria contada da sentença ou
do trânsito em julgado da ação que julgou improcedente a ação renovatória.
Em qualquer caso, o dispositivo é claro que a medida somente será
verificada se houver pedido na contestação, do contrário não se cogitará da
desocupação na forma do artigo 74.
Nesse sentido, vale destacar o entendimento consolidado pela
jurisprudência em consonância à disposição legal:
AGRAVO
DE INSTRUMENTO - RENOVATÓRIA JULGADA IMPROCEDENTE - LOCADOR QUE NÃO PEDE NA
CONTESTAÇÃO O DESPEJO DO LOCATÁRIO – FATO QUE AFASTA A APLICAÇÃO DO ART 74 DA
LEI DE LOCAÇÃO,
TORNANDO DESNECESSÁRIO O TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA PARA POSSIBILITAR O
DESPEJO -AÇÃO AUTÔNOMA DE DESPEJO PROPOSTA PELO LOCADOR – POSSIBILIDADE
DESNECESSIDADE DE AGUARDAR O JULGAMENTO DA APELAÇÃO CONTRA SENTENÇA DE
IMPROCEDÊNCIA DA RENOVATÓRIA SE, EM ANÁLISE PRELIMINAR, FALTA VEROSSIMILHANÇA AO
DIREITO À RENOVATÓRIA - CABIMENTO DO DESPEJO LIMINAR - INTELIGÊNCIA DO ART 59,
§1°, VIII, DA LEI N° 8245/91. Não tendo o locador manifestado na contestação
pretensão de despejo, julgada improcedente ação renovatória, descabe aguardar o
trânsito em julgado para a desocupação do imóvel, conforme prescrevia
anteriormente o art. 74 da lei de locações, podendo o locador propor ação de
despejo autônoma, mesmo estando em processamento apelação contra sentença de
improcedência, cujo efeito é apenas devolutivo. Nesse caso, cabe apenas analisar
a verossimilhança do direito à renovação, que, se inexistente, autoriza o
desalijo liminar do locatário, nos termos do permitido atualmente pelo art. 59,
§ Io, inc. VIII, da lei de locações. AGRAVO DESPROVIDO.
(TJ/SP - 30ª Câmara de Dto Privado - Agravo de Instrumento nº
0274148-52.2010.8.26.0000 - Des. Rel. Andrade Neto - D.J. 13/07/2011)
Partindo da hipótese de que o
pedido tenha sido efetivamente realizado na contestação, ou seja, se a parte
cumpriu o ônus que lhe competia de pedir a desocupação na peça processual de
resistência, surge a questão sobre o termo inicial do prazo de desocupação.
É certo que a nova redação do artigo 74 da lei especial suprimiu a
expressão trânsito em julgado que existia na redação anterior.
Essa supressão, combinada com o fato de a apelação ter apenas
efeito devolutivo, além da necessidade de celeridade processual decantada pelo
inciso
LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal (1988),
conduz ao entendimento de que a não renovação da locação indicada no dispositivo
da lei especial ocorre quando há sentença de improcedência da ação renovatória,
independente da apreciação do tribunal sobre o caso, permitindo ao vencedor a
execução provisória, ou seja, a desocupação do imóvel no prazo de 30 dias.
O entendimento tem encontrado vozes na jurisprudência como o ilustre
Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo Marcos Ramos, integrante da
30ª Câmara de Direito Privado, em acórdão proferido nos autos do agravo de
instrumento nº 0035319-49.2011.8.26.0000, julgado em 20 de julho de 2011, cujo
teor mais adiante se explicitará, porém, por ora é pertinente destacar trecho do
voto em questão:
A nova
lei, além de reduzir o prazo legal para desocupação do imóvel - de 6 (seis)
meses para 30 (trinta) dias, ao suprimir do texto o termo "trânsito em julgado",
eliminou o efeito suspensivo antes implícito neste condicionamento, de forma
que, agora, a sentença que julga improcedente a ação renovatória comporta ampla
execução provisória.
Tal modificação, aliás, vem ao encontro do que já previa o art. 58, inc. V
(inalterado), da Lei do Inquilinato, no sentido de que os recursos interpostos
contra as sentenças de aluguel, revisionais e renovatórias de locação, terão
efeito somente devolutivo, e torna evidente a intenção do legislador de
efetivamente permitir a execução de plano do despejo, se houver tal pedido na
contestação.
A nova disposição legal dá celeridade ao processo para evitar injusta situação
comumente observada sob a égide da lei anterior, em que o locador se via
obrigado a aguardar seis meses após o trânsito em julgado para impulsionar a
desocupação do imóvel locado, mormente considerando que o trâmite das ações
renovatórias julgadas improcedentes, ainda hoje, supera em muito o termo final
do contrato locatício.
A retirada da expressão
“trânsito em julgado” da redação do artigo 74 leva ao entendimento de que a
vontade do legislador infraconstitucional é de trazer mais dinâmica às relações,
abreviando-se as desocupações de imóveis cuja ação renovatória sofreu revés em
primeira instância.
Em razão do que se apresenta, a interpretação literal do dispositivo,
fundada no princípio da celeridade processual, permite a conclusão de que após
ser proferida sentença improcedente o Juiz deve fixar prazo de 30 dias para
desocupação do imóvel, sendo que tal entendimento possui amparo jurisprudencial.
Autor:
Dr. Fernando Marba Martins
OAB/SP nº 240.811
Membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/SP subseção Santos