É namoro ou união estável?
15/10/15

Um dos temas mais controvertidos do direito de família atualmente é a especificação do momento em que o relacionamento amoroso deixa de ser apenas um namoro e se torna de fato uma união estável. Esse momento é extremamente relevante, pois o reconhecimento da união estável produz diversos efeitos jurídicos para os envolvidos, especialmente no que diz respeito ao direito patrimonial e deveres e responsabilidades recíprocas, conforme determina a lei.

O problema está justamente em distinguir com exatidão os dois momentos. O namoro não é conceituado pela lei. Se a lei não o regula, não há requisitos a serem observados para sua formação, a não ser os requisitos morais, impostos pela própria sociedade e pelos costumes locais. Já a união estável é prevista no artigo 226, parágrafo 3º da Constituição Federal e no artigo 1.723 do Código Civil Brasileiro, sendo que neste último encontram-se os requisitos para a sua configuração, quais sejam: relação não eventual, pública e duradoura, entre homem e mulher, com o objetivo de constituir família, sem impedimento matrimonial entre si, com exceção das pessoas casadas, desde que separadas de fato ou judicialmente.

De inicio, é bom que se diga que o artigo 1.723 entrou em vigor junto com o Código Civil no ano de 2003. Portanto, sua leitura deve ser à luz do reconhecimento das uniões homoafetivas pelo Supremo Tribunal Federal, que conferiu e reconheceu igualdade de direitos às relações entre pessoas do mesmo sexo.  

Os demais requisitos acima mencionados indicam que para configurar uma união estável a relação deve ser contínua, ou seja, não eventual, não se considerando aqui as brigas e discussões entre o casal, mas a demonstração de continuidade, portanto, que não se trata de uma relação meramente casual. A relação amorosa deve ser pública, podendo essa publicidade ser restrita ao círculo social do casal (amigos e parentes), proibindo-se apenas relações secretas. O relacionamento deve ser duradouro e aqui não há um prazo especificado para se indicar essa durabilidade, assim sendo, este requisito deve ser observado conjuntamente com os demais, com razoabilidade e bom senso.  

Outro requisito é a inexistência de impedimentos matrimoniais entre os integrantes da relação. Em conseqüência disso, não é possível reconhecer uma união estável entre irmãos, por exemplo. Quando se trata de pessoas casadas existe a possibilidade, desde que estejam separadas de fato ou judicialmente.  

Como se pode perceber,  a coabitação (viver sob o mesmo teto) não é mais requisito legal para configurar a união estável, na linha do entendimento já reconhecido pela Súmula nº 382 do Supremo Tribunal Federal. Nesse momento é que surgem os maiores problemas, visto que não são poucos os casais de namorados que mantêm convivência amorosa contínua, pública, duradoura e sem impedimentos matrimoniais entre si, exatamente como foi definido acima. Então como diferenciar um namoro nesses moldes de uma união estável? 

A resposta para estes casos certamente está no requisito “objetivo de constituir família”. A doutrina jurídica entende que é necessária a efetiva constituição de família, não bastando para a configuração da união estável o simples objetivo de constituí-la, pois, do contrário estaríamos novamente admitindo a equiparação do namoro ou noivado à união estável. Aliás, o objetivo de constituir a família no futuro, como ocorre no noivado, por exemplo, apenas comprova que a união estável não está configurada. Para que este requisito esteja presente, o casal deve viver como se casado fosse. Isso significa dizer que deve haver assistência moral e material recíproca irrestrita, esforço conjunto para concretizar sonhos em comum, participação real nos problemas e desejos do outro e etc. 

Em um namoro, apesar de se estabelecer uma convivência amorosa pública, contínua e duradoura, um dos namorados, ou os dois, ainda preservam sua vida pessoal e sua liberdade. Com isso, mesmo que detenha todos os demais requisitos legais e possa existir um objetivo futuro de constituir família, em que o casal planeja um casamento ou uma convivência como se casados fossem, a verdade é que em situações de namoros não há ainda essa comunhão de vida. Dessa forma, os seus interesses particulares não se confundem no presente e a assistência moral e material recíproca não é totalmente irrestrita. 

Pelo exposto, observa-se que o tema é bastante complexo e em alguns casos somente a verificação individual poderá distinguir com exatidão um namoro já consolidado no tempo de uma união estável. Hoje em dia, é muito comum que existam namoros que preencham quase todos os requisitos legais, ausente apenas o “objetivo de constituir família”, que não deve ser lido apenas como planejamento futuro, mas como representação de que ali há uma família e não somente a idéia futura de constituir uma, sob pena de as conseqüências patrimoniais do reconhecimento de uma união estável inibir relacionamentos amorosos prolongados no tempo, porque um namoro é bem diferente de um casamento e o que lei quer proteger é a convivência do casal, embora não registrado dessa forma no cartório, mas que convivem como se casados fossem.

Autor:
Dr. Fernando Marba Martins
OAB/SP nº 240.811
Membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/SP subseção Santos

 

<<Voltar