O que fazer quando se tem um vizinho que nada respeita?
01/10/15

O ser humano é social por natureza, entretanto, o convívio entre pessoas de origens, cultura e escolaridade diferentes sempre produz constantes conflitos. Nesta seara, se por um lado os condomínios edilícios são uma ótima solução de política urbana para enfrentar o problema de ausência de espaço em decorrência do crescimento populacional, por outro, são também prodigiosos na produção de conflitos de interesses entre seus ocupantes.

Atento a essa realidade, o direito de vizinhança impõe regras de conduta mínimas que devem ser obedecidas por todos para que prevaleça a paz e a ordem social. A sua raiz são os princípios constitucionais que garantem a todos o direito à vida (saúde, sossego, privacidade e moralidade), à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Hoje, os direitos e obrigações dos condôminos são regulados pelo atual Código Civil, que possui capítulo próprio para delimitar as regras de conduta que devem ser observadas por todos, permitindo também a inclusão de outras regras através da Convenção Condominial. Todavia, é muito comum encontrar em grande parte dos edifícios moradores que não respeitam o sossego alheio; que realizam alterações estruturais amplas colocando em risco a saúde da edificação e segurança de seus habitantes; insistem no exercício de atividades profissionais nocivas em imóvel residencial, dentre outros, ou seja, que não respeitam nada além do que entendem por ser o seu direito próprio. O que a coletividade pode fazer sobre isso? 

Ao disciplinar a convivência coletiva em condomínios edilícios, o atual Código Civil trouxe em seu artigo nº 1.337 uma solução para enfrentar esse problema, indicando como condôminos de comportamento antissocial aqueles que não respeitam as normas de convivência. Por essa regra, o condômino antissocial poderá ser constrangido a pagar multa correspondente de até o décuplo (10x) do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até deliberação da assembleia de condôminos. 

A solução de punição pecuniária resolve uma parte significativa dos conflitos, pois quando se mexe no bolso daquele que pratica reiteradamente atos incompatíveis com a convivência harmônica é muito comum que o causador de tais conflitos repense seus atos. Entretanto, é possível que a imposição de multa não surta os efeitos pretendidos e não iniba ou faça com que as perturbações cessem. No caso da multa não resolver o problema, surge um conflito entre o direito à propriedade do condômino praticante dos atos inadequados e o de moradia dos outros condôminos que são obrigados a aguentar a conduta insuportável daquele vizinho. 

De um lado, o Código Civil assegura ao proprietário ou possuidor de um prédio o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que nele habitam provocadas pela utilização de propriedade vizinha (artigo 1.277). De outro, não há disposição legal expressa para a hipótese de a multa ser ineficaz. Para solucionar tal conflito legal, parte da doutrina jurídica e da jurisprudência de alguns dos nossos Tribunais reconhecem a existência da omissão. Entretanto, entendem que em casos extremos o proprietário pode ser afastado do convívio social por certo período, sem perder o seu direito de propriedade, uma vez que o condômino excluído não sofre uma desapropriação, tão somente perde o direito ao uso do imóvel, permanecendo com os outros poderes inerentes à propriedade (fruição, disposição e reivindicação). 

Destaca-se que seja para a aplicação de multa ou para apreciação do pedido de exclusão do condômino antissocial, para se efetivar quaisquer dessas medidas extremas devem ser convocadas assembleias para esses fins específicos e concedido o direito de defesa ao condômino acusado de tais condutas inadequadas. Somente com a aprovação de pelo menos ¾ dos condôminos poderá ser aplicada a multa ou na hipótese mais grave intentada a ação Judicial para exclusão. 

Pelo exposto, embora não esteja expresso em lei, se a multa for ineficaz é possível que se efetue a exclusão do condômino que pratica reiterados atos inadequados que impossibilitem a sua convivência social, pois não se pode admitir que a proteção do direito dos demais condôminos seja limitada à imposição de multa ineficaz. Se assim for, estaremos diante de uma contradição grosseira em nossa ordem jurídica, na qual se estará premiando o exercício abusivo do direito do condômino tido como antissocial, em detrimento do direito de todos os demais, porque a lei, em consonância aos princípios constitucionais que garantem o direito à vida (saúde, sossego, privacidade e moralidade), à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, não adotou o popular provérbio: "os incomodados que se mudem", adotou que os incomodados têm todo direito de fazer cessar os atos antissociais que os incomodam, seja pela aplicação de multa, seja nos casos extremos e mais graves com a exclusão daquele que insiste em não cumprir as regras de conduta mínimas para uma convivência harmônica.

Autor:
Dr. Fernando Marba Martins
OAB/SP nº 240.811
Membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/SP subseção Santos

 

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